quarta-feira, 28 de março de 2012

o câncer, a sinuca e o jornalismo

“Dizem que a diferença entre deus e os jornalistas é que deus jamais pensou que era jornalista”. O jornalista Carlos Brickmann usou essas palavras em alusão à mania que seus colegas de profissão têm de julgar e condenar impiedosamente e de sentirem-se donos da verdade. Essa frase alcançou meus olhos de maneira diferente.

Minha pauta era divulgar o trabalho desenvolvido pela AACC-MS (Associação dos Amigos das Crianças com Câncer). Passei quase três dias me preparando psicologicamente, pois na minha cabeça tão cheia de modelos e fórmulas, ir até a Associação era sinônimo de chorar de pena das crianças e ficar com o coração partido pelas mães. Imaginem só um monte de pessoinhas carecas, magras, com olheiras e curativos, tomadas pelo baixo astral, debaixo das asas de mães cansadas e desesperadas.

Mas eu não podia chorar. Se meu papel era noticiar, o mínimo a mais que poderia fazer era dar força às crianças e às mães. Vesti minha armadura, fiz cara de forte, encarnei a profissional e fui. Até alguns minutos antes de entrar na sede AACC eu me sentia deus. Que pessoa linda eu era por ter escolhido colocar essa instituição no jornal. Eu poderia pedir para que a população doasse os materiais de que eles precisam, para que se voluntariassem e pronto. Estaria tudo resolvido. Nenhuma criança a mais morreria de câncer. Se duvidar, com essa minha atitude tão nobre, nenhuma outra criança sequer desenvolveria câncer. 

Eu não era deus. Elas não eram baixo astral. Suas mães não estavam pessimistas. E o fato de eu escrever para um veículo de comunicação sensacionalista e de baixa popularidade não ia fazer diferença nenhuma para ninguém. Nem para mim, porque ser repórter implica em aceitar uma distância enorme entre aquilo que o interesse de algum político ou empresa julga que é necessário informar e aquilo que tenho vontade de informar. Por isso uso o espaço virtual (antes que censurem isso também) para escrever em primeira pessoa, relatar sensações, desabafar, reclamar do preço do chocolate e o que mais me der na telha.

Quando entrei na AACC, trompei com um sorriso enorme na recepção. Já viram isso? Uma recepção ser cuidada por um sorriso? Claro que estou exagerando, mas a moça por trás do sorriso chama muito a atenção. Aline Santa Cruz, 22 anos, há 8 venceu a leucemia. A boa filha à casa tornou. Depois de ser tratada durante dois anos e meio na instituição, hoje Aline é mais do que uma funcionária, é um bom exemplo. Humildemente, acho que o mundo não precisa de heróis ou ídolos, mas sim de bons exemplos. De repente, vendo aquela moça com enormes olhos castanhos achando graça da vida, o câncer me pareceu menos grave. Claro que nem todos têm o mesmo destino de Aline, mas acredito absolutamente no poder do positivismo. Aquela jovem inspira mães e crianças com câncer. Ver um bom exemplo e acreditar que se vai ficar bem, com certeza, ajuda na recuperação. Alguém já deve ter feito algum estudo sobre o poder da mente e tudo o mais. Procura aí no google.

Ariel, o danadinho
A responsável pela comunicação da AACC também é a guia de turismo do ambiente. Larissa me mostrou cada uma das salas da administração, de cursos, de informática, de artes. E de repente paramos na porta do pátio que dava para as instalações onde ficam as crianças. Como eu estava ansiosa por tocar em uma delas, para saber que elas existem. Mas não tive tempo para muita poesia. Ariel, um garoto muito simpático, nada magrinho e com cabelos suficientes para disfarçar que tinha câncer, me desafiou em uma partida de pebolim. Profissional que sou na mesa de futebol, aceitei de prontidão. Logo vi que, para manter minha reputação, era melhor não dar mole para o menino de uns 8 ou 9 anos. Mas que diabos! Esse menino não está doente? Que que tem que ficar aqui fazendo gol em mim? Também não quis mais brincar e recusei o convite para a mesa de sinuca. Não porque eu estivesse com medo de perder, óbvio, mas porque eu precisava tirar fotos e entrevistar algumas fontes.

Fontes o escambau! Minha vontade era de conversar com pessoas. Com a Zumilda, mamãe do Lucas, com a Ana Clara, com a tia que estava fazendo bolo. Só os adultos me deram atenção, nenhuma criança quis conversar com a tia aqui. O Ariel estava ressentido porque recusei a sinuca, o Lucas estava com a boca cheia de pipoca e a Ana Clara estava ocupada pintando suas unhas com esmalte rosa. Um tapa na cara da minha vaidade. A pequena tem no máximo 5 anos e suas unhas são infinitamente mais bem cuidadas do que as minhas. O que a gente pergunta para crianças como essas? Qual seu ciclo de quimioterapias? Você tem esperança de viver muito tempo ainda? Qual foi sua última produção na aula de artes? Em que bar você treina sinuca, porra?

3 comentários:

  1. Muito legal...tb tenho (ou tinha, por razões que vc mesma poder ver lá, resolvi dar um tempo....relembrar dói.)anapaulapenzo@blogspot.com.br
    Parabéns, vc escreve muito bem!

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    1. Muito obrigada Ana Paula. Estou procurando um tempinho pra poder escrever mais sobre essa visita. O trabalho da AACC merece ser divulgado.
      Abração! Suerte!

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