sexta-feira, 4 de novembro de 2011

esse um tal TCC

Show Marcelo Camelo
 Há quem diga que fazer um trabalho de conclusão de curso com alguém,    vulgo TCC, é aceitar um pedido de casamento. Eu penso que se o   processo é casamento, o produto final é o filho. E, como toda grávida,  passei a pensar não só em mim, mas no meu futuro filho e em minhas  companheiras, dia e noite. Como será o rostinho dele, qual o nome mais  adequado, como introduzi-lo na sociedade?
 São 4h20 da manhã e não consigo parar de pensar no meu bebê. Isso porque a hora do parto está cada vez mais próxima, a ansiedade começa a bater. Durante esta madrugada encontrei uma maneira de apresentá-lo, de introduzir a leitura pelo corpo dessa criança que já vai chegar.
 Enquanto estávamos na estrada, dentro de um ônibus lotado de artesãos de várias regiões do país, depois de passar pela tensão de a bagagem de todos nós quase não caber no bagageiro, eu ficava pensando no que poderia encontrar naquele paraíso que eu já não visitava desde o penúltimo ou antepenúltimo Carnaval. Aquela terra de águas abençoadas e natureza receptiva certamente estaria cheia de turistas bem vestidos, agasalhados, com a ponta do nariz vermelha por causa do vento frio e cortante que envolveria a praça enquanto as pessoas se encolheriam pra conseguir ver um show. Na minha cabeça ainda dominava a antiga marca do Festival de Inverno de Bonito, um peixinho amarelo sorridente com cachecol e gorro que eu via na propaganda da TV. Era isso que eu esperava. Não foi isso que encontrei. As pessoas eram sim muito simpáticas, mas andavam de shorts, durante o dia alguns homens sem camisa e algumas mulheres com biquíni e saída de banho, como quem desfila em avenida beiramar. Bem compreensível para o clima quente que fazia por lá. Festival de Verão de Bonito talvez fosse mais adequado. Isso serviu para que eu parasse por ali de criar expectativas e passasse a sentir e ser receptiva com o que me fosse oferecido.
Funk-se (Jeens)
 Diferentemente de minhas parceiras, estava decidida a me deixar envolver com o objeto a ser registrado. O festival, pra mim, tem um clima de paz que pode ser traduzido pela cena de uma aspirante a jornalista cansada, sentada na grama no meio da praça, respirando aquele ar verde, ouvindo (só ouvindo) a Mart’nália cantar “eu quero ver, ê-ê, eu quero ver, ê-ê... quando Zumbi chegar”. É... se Zumbi aparecesse de repente naquela praça chamada Liberdade talvez se emocionasse. Quem ditava o ritmo era uma negra, filha de Oxóssi, e todos comungavam sua energia. Crianças, patrões, idosos, bêbados, hippies, turistas alemães, artesãos, alguns eram mais de um substantivo ao mesmo tempo. Todos eles se permitiram embalar por toda aquela pretinhosidade. Se eu pudesse escolher uma cena que representasse o festival, seria essa.
 Mas ele foi muito mais do que isso. E foi lá que eu descobri minha principal dificuldade em ser jornalista. Porque em algum momento da faculdade me ensinaram, ou é um acordo tácito entre jornalistas, ou sei lá, que esse profissional precisa ter uma postura diferente. As pessoas olham meio torto jornalista que é tiete, e trabalhar com artistas, ainda mais quando seu maior ídolo está presente, de maneira racional, não é fácil. Vai ver que se envolver demais estraga a apuração. Ou vai ver que se envolver um pouquinho não faz assim tão mal. Explico: 1/3 da produção do nosso trabalho se atrapalhou para fotografar a abertura do festival porque chorou de emoção, ficou nervosa ao ver o Ney Matogrosso tão de perto, esqueceu que estava com crachá de imprensa, pediu licença ao governador e se posicionou ao lado do artista para tirar uma foto com ele. Felizmente não fui condenada pelo crime e pude terminar meu TCC. Mas meu envolvimento com o festival continuou além do profissional. Acima de tudo sou uma amante das artes que acredita na cultura como educação fundamental. Não se preocupem, eu lembrava que estava ali para concretizar um produto jornalístico. Se você gostar do que vamos apresentar dia 28/11, então concorda que jornalismo e sentimento combinam. Se não gostar, então eu e minhas companheiras estamos erradas. Fique a vontade para se posicionar nos meios termos e etc.
Buraco D'oráculo
(A farsa do bom enganador)
 Também damos uma segurança: apesar do material possuir uma “narrativa diferenciada”, como classificou nossa orientadora, e ser estruturado a partir de fotografias que apresentam 3 olhares específicos, acreditem, não tem mentira, não tem invenção. Contamos o festival através de sentimentos de gente comum e enfeitamos com nossas observações. Lá há uma senhora que gostaria de andar sobre pernas de pau, mas acha que não é capaz. Há quem veja o Ney como uma criança, e há criança que não conhece o mundo sem o festival de Bonito. Há quem se preocupe com o lucro, com o turismo, com a natureza, com a cultura. Há gente indiferente.
 Essa foi a maneira que encontramos de contar a 12ª edição do Festival de Inverno de Bonito. A nossa maneira, resultado da mistura das maneiras dos nossos entrevistados. Temos muito carinho pelo nosso filho, mas sabemos que a personalidade dele pode não agradar a alguns.  Precisamos avisá-lo que nosso caderno não é um jornalismo objetivo e imparcial, mas é honesto e resultado de bastante observação. Estando ciente disso, faça uma boa viagem.

Thaysa Freitas
(a mãe coruja)

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