sexta-feira, 4 de maio de 2012

quem dança seus males espanta


Ali estava ele esperando apoiado no balcão, pensativo, um jeitão pacato que, sabe-se lá, esconde um sujeito esfuziante, uma personalidade colérica ou um perfil solar. Não me atrevo a arriscar. Sei que o Paulinho que eu conheço é aquele da rua, dos semáforos, das praças, dos espetáculos teatrais, do rádio, da dança. No momento em que seus olhos encontraram os meus vi o brilho doce de sempre. Então estavam abertos o sorriso e os braços. Foi o suficiente para acabar com minha dúvida de como fazer uma entrevista formal com uma pessoa cuja palavra de ordem é simplicidade.

Estou falando de ninguém mais, ninguém menos do que Paulo César da Silva Baptista, que muitos chamam, carinhosamente (ou não), de Paulo do Radinho.

O cenário do encontro foi seu local de trabalho, especificamente no térreo da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Nunca o tinha visto com roupa mais engessada, e dessa vez não seria diferente. Camiseta branca, calça colorida, faixa amarela na cabeça e colar de miçangas brancas e vermelhas, nada de camisa ou calça social para o trabalho na biblioteca Isaías Paim.

Paulo fez questão de me levar para o terraço do prédio, afinal de contas, nosso bate papo merecia uma trilha sonora do radinho vermelho, azul e amarelo, e lá em cima, além de o som não atrapalhar ninguém, há espaço para dancar. Com fala mansa e gestos lentos, deu play no seu fiel companheiro e ao som de "I want know what love is" contou que nasceu em Uruguaiana e veio para o ainda Mato Grosso com 10 anos de idade, sem muita opção, acompanhando seus pais. A cidade era Bela Vista, que encantou o garoto pelo fato de só ter energia elétrica ate às 20h e pela possibilidade de se chupar coquinho e andar descalço o tempo todo. Uns 3 ou 4 anos mais tarde conheceu Ney Matogrosso, de quem ganhou uma cacharréu elegantérrima com a qual começou seus primeiros passos de dança, nas baladas.

Em 1975 veio para Campo Grande e ficou. Foi na cidade Morena que Paulo se formou em Geografia, tornou-se funcionário da Fundação de Cultura, casou-se, teve três filhos e divorciou-se, não necessariamente nessa ordem. Mas um desses acontecimentos foi decisivo para que ele começasse a dançar nas ruas. Quando sua esposa anunciou a separação, no natal de 1997, Paulo, que ainda enfrentava o luto pela morte do pai, ficou desiludido. Pegou seu radinho companheiro e foi chorar na rua. Para completar a emoção, recebeu uma música de um amigo radialista, que acreditava que Paulo estava comemorando a casa nova com a família. As lágrimas foram inevitáveis. O corpo acompanhava o ritmo que saía dos auto-falantes e o espírito conversava com deus e pedia forças. Um grupo de adolescentes presenciou a cena, alguns riam e outros aplaudiam o espetáculo de dor. E foi nesse momento que Paulinho decidiu que iria dançar nas ruas: “Era como se o sorriso deles amenizasse minha dor. Eu iria aproveitar os sorrisos e aplausos para transformar meu sofrimento. Hoje sou eu que levo alegria às pessoas”.

Com relação a sua idade, Paulo logo afirma que possui três. Não três anos, obviamente, mas três idades diferentes. “Uma psicológica, que é entre 18 e 20 anos, uma física, que é a de verdade, e a outra é 23 anos, minha nova idade desde o acidente”. A noite na qual viraria mais uma estatística de trânsito, Paulo do Radinho considera como seu renascimento. “Eu estava andando de moto e uma camionete me atropelou. Fiquei em coma por 40 dias e sem andar por oito meses”. Depois disso é bem difícil convencer este homem a andar de carro ou de ônibus. Seu maior prazer é poder se locomover com as próprias pernas e de preferência ouvindo seu rádio.

E o que Paulo mais ouve nesse aparelhinho que já ficou famoso pelas ruas de Campão? "Ah, eu adoro demais o Raulzito, demais mesmo. Mas isso eu deixo para ouvir em casa, na rua eu boto mais músicas de novela, pro pessoal não reclamar e aproveitar comigo". De fato, é muito fácil se envolver com sua energia, bastou um momento de bobeira e até eu estava dançando "Don't Cha" com ele. Paulinho é puro movimento!

Sem nenhuma cerimônia, perguntei qual era sua opinião sobre as pessoas que pensam que ele é bêbado ou louco. "Eu acho é muita graça, a felicidade alheia incomoda". Paulinho nunca bebeu, seu único vício era o cigarro, abandonado há quase três meses, apenas à base de água, cravo e muita conversa com deus. "Claro, como é que eu vou me apresentar para as crianças? Tenho que dar bom exemplo".

Essa figura alto astral não tem uma receita para a felicidade. A sua deu certo porque, para ele, além de estar bem, é preciso querer que o próximo esteja bem. Sem muita vontade para grande luxos, Paulo do Radinho acredita muito em sua opinião e acha que o maior exemplo que dá para seus filhos - que não gostam que o pai dance nas ruas - é autenticidade. Como já dizia Conzaguinha, "viver e não ter a vergonha de ser feliz".

abril de 2012

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