domingo, 24 de novembro de 2013

movimento artístico religioso*

Admirável mundo novo. Para alguns é o nome de um livro. Para mim é uma mistura de tambores, ritmo, natureza, mitologia, ritual e dança: Candomblé. Conheci a religião de matriz africana ainda no primeiro ano de faculdade. Eu tinha todos os medos e preconceitos que a sociedade queria que eu tivesse. Mas, por curiosidade (ou profissionalismo), resolvi conhecer. Deparei-me com um espetáculo!

Cada orixá possui um figurino mais lindo que o outro, cada um deles possui uma história e uma função, uma música e uma batida perfeita. Eles usam a música e os movimentos para contar sua trajetória, mostrar seu caráter e assim, com o corpo daqueles que gentilmente os recebem, criam água, vento, peixes. Caçam, amam, lutam.

Meu preferido é o Obaluaê. Senhor da terra, da cura de doenças, da passagem de um plano para outro. Ele dança com o corpo coberto de palha da costa. Algumas lendas dizem que é para esconder suas chagas de varíola. Eu acredito em sua beleza estonteante, e aposto que a palha só está ali porque não se pode olhar de frente o próprio brilho do sol. Seu grito é tenebroso e sombrio, mas basta um abraço neste senhor para sentir sua vibração bondosa e paterna. E como vibra!!!

Suas coreografias estão longe de ser enérgicas como as de Ogum ou charmosas como de Oxum. Obaluaê é mais contido, calmo, sereno, como se calculasse cada um de seus movimentos, reflexos, talvez, de toda a rejeição que sofreu. Foi abandonado por sua mãe, Nanã, devido à sua doença, e já foi impedido de entrar em uma festa onde dançavam todos os orixás. Sua postura é levemente inclinada para frente, como se tentasse esconder suas feridas. Curvado como um velho, parece que dança cavando a terra. Apesar de certa lentidão durante todos os seus atos, a apoteose de sua apresentação acontece quando ele começa a pular com uma perna só (a outra permanece dobrada) cruzando os braços em xis acima da cabeça, único momento em que sua coluna fica totalmente ereta. Ninguém nunca me explicou o que significa esse movimento, então eu finjo que é manifestação de sua felicidade quando Iansã transformou suas feridas em pipoca e Obaluaê se tornou um belo homem. Mas é só uma hipótese.

Estou longe de entender o que significa cada dança dos orixás. Porém, tenho certeza de que nenhum de seus movimentos é em vão. O corpo fala, seus gestos explicam suas histórias. Com essa imagem gostaria de despertar a curiosidade dos amantes da dança para acompanharem uma festa de Candomblé. É música e energia a noite inteira! É linda a relação do Candomblé com a dança. Sem dança não existe essa religião. Só não se assuste se tudo começar a ficar sombrio e embaçado em volta do Obaluaê. O brilho é todo e só dele quando está presente. Também aviso que é quase impossível ficar parado, porque o som dos atabaques entra no sangue como que por difusão. O samba só pode ter vindo daí, só pode!

Enquanto a dança clássica ocidental exige pontas como que para alcançar um outro mundo, o orixá dança descalço, a fim de absorver toda a energia que emana da terra. Os pés nus denunciam uma vontade de viver a vida agora, exatamente naquele lugar. Atotô!

* contribuição para o maravilhoso espaço http://forummovimente.blogspot.com.br/ (em dez/2011)

Nenhum comentário:

Postar um comentário