Admirável
mundo novo. Para alguns é o nome de um livro. Para mim é uma mistura de
tambores, ritmo, natureza, mitologia, ritual e dança: Candomblé. Conheci a
religião de matriz africana ainda no primeiro ano de faculdade. Eu tinha todos
os medos e preconceitos que a sociedade queria que eu tivesse. Mas, por
curiosidade (ou profissionalismo), resolvi conhecer. Deparei-me com um
espetáculo!
Cada
orixá possui um figurino mais lindo que o outro, cada um deles possui uma
história e uma função, uma música e uma batida perfeita. Eles usam a música e
os movimentos para contar sua trajetória, mostrar seu caráter e assim, com o
corpo daqueles que gentilmente os recebem, criam água, vento, peixes. Caçam,
amam, lutam.
Meu
preferido é o Obaluaê. Senhor da terra, da cura de doenças, da passagem de um
plano para outro. Ele dança com o corpo coberto de palha da costa. Algumas
lendas dizem que é para esconder suas chagas de varíola. Eu acredito em sua
beleza estonteante, e aposto que a palha só está ali porque não se pode olhar
de frente o próprio brilho do sol. Seu grito é tenebroso e sombrio, mas basta
um abraço neste senhor para sentir sua vibração bondosa e paterna. E como
vibra!!!
Suas
coreografias estão longe de ser enérgicas como as de Ogum ou charmosas como de
Oxum. Obaluaê é mais contido, calmo, sereno, como se calculasse cada um de seus
movimentos, reflexos, talvez, de toda a rejeição que sofreu. Foi abandonado por
sua mãe, Nanã, devido à sua doença, e já foi impedido de entrar em uma festa
onde dançavam todos os orixás. Sua postura é levemente inclinada para frente,
como se tentasse esconder suas feridas. Curvado como um velho, parece que dança
cavando a terra. Apesar de certa lentidão durante todos os seus atos, a
apoteose de sua apresentação acontece quando ele começa a pular com uma perna
só (a outra permanece dobrada) cruzando os braços em xis acima da cabeça, único
momento em que sua coluna fica totalmente ereta. Ninguém nunca me explicou o
que significa esse movimento, então eu finjo que é manifestação de sua
felicidade quando Iansã transformou suas feridas em pipoca e Obaluaê se tornou
um belo homem. Mas é só uma hipótese.
Estou
longe de entender o que significa cada dança dos orixás. Porém, tenho certeza
de que nenhum de seus movimentos é em vão. O corpo fala, seus gestos explicam
suas histórias. Com essa imagem gostaria de despertar a curiosidade dos amantes
da dança para acompanharem uma festa de Candomblé. É música e energia a noite
inteira! É linda a relação do Candomblé com a dança. Sem dança não existe essa
religião. Só não se assuste se tudo começar a ficar sombrio e embaçado em volta
do Obaluaê. O brilho é todo e só dele quando está presente. Também aviso que é
quase impossível ficar parado, porque o som dos atabaques entra no sangue como
que por difusão. O samba só pode ter vindo daí, só pode!
Enquanto
a dança clássica ocidental exige pontas como que para alcançar um outro mundo,
o orixá dança descalço, a fim de absorver toda a energia que emana da terra. Os
pés nus denunciam uma vontade de viver a vida agora, exatamente naquele lugar.
Atotô!
Nenhum comentário:
Postar um comentário