sábado, 10 de fevereiro de 2018

notas para alfredo II

olhei um último momento enquanto você atravessava entre os carros de volta em direção ao bar. a postura denunciando uma tristeza por não conseguir corresponder tudo que eu oferecia. você parece forte, alfredo, porque não chora, não move os músculos da face entregando qualquer sentimento negativo que seja. coisa de quem já se machucou muito na vida, penso eu. mas, minutos antes, sua respiração entregava sua decepção, comigo e consigo mesmo. seu olhar denunciava a tristeza por ter que deixar partir alguém com quem você estava disposto a caminhar de mãos dadas. que mais você poderia fazer? que mais poderia oferecer naquele momento? maldito timing!!
nunca acreditei nessa bobagem de momentos diferentes, de certo porque nunca tinha acontecido comigo. ou talvez tenha, mas não com alguém com quem eu me importasse tanto! parei o carro em alguma rua bem movimentada e deixei os pensamentos fluírem junto com as lágrimas, assim salgados mesmo, desorganizados. e mais tarde tentaria traduzir em palavras.
talvez se tivéssemos nos conhecido antes das pessoas que nos destruíram tanto! antes de definirmos nossos fundamentos e construirmos muralhas de defesa tão altas, tão fortes e concretas, hein alfredo... ora essa, se são justamente as histórias que vivemos, os livros que lemos, as viagens que fizemos e as pessoas que amamos que nos fazem ser exatamente o que somos hoje, esse pensamento não faz muito sentido, pois eu te desejo por você ser assim mesmo como é hoje. o problema é que o timing errado não vem com uma plaquinha de alerta, ele só se manifesta depois que a gente pensou estar na mesma vibe que o outro e resolveu se entregar. quando já gostamos da pessoa, já achamos até engraçadas as diferenças entre nós.
mas não dá pra esquecer que tudo que passamos antes de nos conhecermos influenciam totalmente no que somos hoje e na intensidade com a qual vivemos e nos entregamos. é mais ou menos assim: nós dois chegamos no mesmo lugar, mas um de nós caminhou por um atalho no bosque, respirou ar puro, parou pra nadar numa cachoeira e colheu até algumas flores pelo caminho; já o outro veio de uma jornada pelo deserto, perambulando por tempestades de areia, passando frio e calor extremos, chegou àquele lugar com sede, esgotado. é óbvio que a maneira como cada um vai escolher continuar a partir daquele ponto de encontro é diferente.
ligo o carro e sigo o caminho de volta pra casa. ainda tem o fator autoconhecimento, autoproteção, autoocaralhoaquatro que você precisa fortalecer. venho de um momento de autofelicidade e de um eu tão preenchido que pra mim é fácil transbordar. então é preciso cuidado pra que esse transbordamento não te afogue.
ah, alfredo! odeio esse egoísmo no qual você se encontra porque vejo muito sentido nele e entendo perfeitamente. não tem como ser diferente. é feito da mesma matéria prima racional que constitui meu medo de me perder de novo, de me envolver em uma relação onde eu doo tanto e recebo pouco de volta. de transbordar tanto que outra vez eu fique cheia de vazios. por isso querer abandonar uma história antes que ela efetivamente aconteça, pra evitar mágoas lá pra frente. pra ficar com essa sensação deliciosa de que mesmo com nosso timing errado e nossas tantas diferenças, você me ofereceu, bonitamente, tudo que você podia nesse momento, você fez o que pode e você foi o melhor encontro que me aconteceu na última década, o subaquinho mais gostoso de me aninhar. eu também tentei bastante ser compreensiva e esperar você poder se entregar mais, você estar tão fortalecido a ponto de poder abrir as janelas do seu coração e deixar minha ventania entrar sem tirar os móveis do lugar. ou até tirar, mas de maneira que você consiga arrumar tudo de volta pro lugar e sem exaustão. mas essa espera cheia de angústia não é paciência, é terrorismo. pois me entristece e isso acaba respingando em você, um alfredo cheio de complicações pra resolver, sem merecer mais preocupações pra te preencher.
me relacionar com você é me deparar com uma cordilheira, e lembra quando te falei sobre aclimatação? às vezes, pra chegar no cume de uma montanha, a gente precisa retroceder um pouco pra recuperar o fôlego e continuar. então talvez seja melhor calarmos nossas distâncias pra que o peito tenha espaço suficiente pra respirar novamente. será que sem eu te atormentando e mostrando meus desagrados você não consegue se resolver melhor, sem distrações? será que se ficarmos sentadinhos, cada um no seu canto, apesar da saudade, algum dia nossos timings vão coincidir? ou será que vamos apenas perceber que estamos bem sem o outro e encontrar outra pessoa com o mesmo timing? já pensou, alfredo? será que é possível influenciar por conta própria nessa porra desse timing? será que a gente consegue de verdade encontrar um equilíbrio onde eu espere sem me angustiar e você take your time em paz, sem ter que se preocupar com as minhas chateações internas?
será que é possível, deuses, astros, planetas, elementos da natureza, diabos, que esses dois arianos consigam parar de pensar tanto lá na frente?????? que você consiga parar de pisar no freio pelo medo futuro de eu terminar com você e que eu consiga parar de querer desistir pelo medo futuro de você terminar comigo e eu ter me oferecido por inteira e você não? será que a gente consegue parar de prever o destino final pra curtir mais a caminhada juntos, mas juntos mesmo, de verdade? parar de ter medo de se sentir lesado?
quem já se fudeu em relacionamento realmente cansa de ficar quebrando a cara, mas, acredite, a cicatrização começa a ser cada vez mais rápida e as feridas menos profundas. e isso não acontece porque a gente se poupa mais ou se entrega menos, mas porque o couro vai ficando curtido mesmo, vai ficando forte, calejado. os finais doem cada vez menos, mas, se feitas com honestidade e entrega, as caminhadas podem ser cada vez mais legais porque mais maduras, mais envolventes, mais conscientes e mais sadias.
chego em casa e deito na cama, você não me sai da cabeça. escrevo pra ver se o sono chega, escrevo pra mais tarde decidir se te envio ou não. escrevo pra tentar ler de fora, imaginar um conto envolvendo outras duas pessoas quaisquer e, quem, sabe, encontrar um desfecho mais próximo possível daquelas conclusões bonitnihas de fábulas infantis. pra ver se tiro alguma lição. pra ver se, externando os fantasmas, tiro também de dentro de mim essa vontade absurda de te ver, te cheirar, te tocar, te chupar, respirar no mesmo ritmo que o seu.
percebo, enfim, que escrevi em vão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário