A vida acontece em qualquer lugar. Até no
palco.
Que Mato Grosso do Sul é um estado com vasta
mistura cultural não é novidade. E você há de concordar que há sempre uma
tentativa quase consensual em folclorizar a figura do índio. Então você coloca
uma pena de papel na cabeça da criança, faz dois risquinhos de tinta guache em
cada bochecha e comemora o 19 de abril. Ou diz no jornal que os guarani-kaiowá são
baderneiros e suicidas. Alguém tem feito isso com esmero e dedicação e, como um
vírus dos mais insistentes, tem se propagado nas redações dos periódicos e
sendo quase que vulgarizado no facebook e adjacências.
Então você o vê assim como eu, na aldeia Bororó.
Índios cheios de planos, com medo, sorridentes, irônicos, nostálgicos. Humanos.
Então o Edson Clair nos presenteia com “Frágil ou o sentido da ruptura”. De
repente apresenta-se uma verdade implícita em cada movimento, cada música e
cada silêncio desse espetáculo sensível, com clichês, mas também com a
maturidade da desilusão.
Se o Funk-se queria falar sobre mergulhos em
abismos, então escolheu uma temática certa. Não veio só para falar de alcoolismo
e suicídio em sua superficialidade midiática.
“Frágil ou o sentido da ruptura” tem uma porrada
de personagens inquietos, delicados, solitários, esperançosos, revoltados e
sonhadores arranhando o muro lá de casa. Cada cena do espetáculo traz similaridades
e correspondências daquela angústia de qualquer ser humano que é deslocado de
uma realidade para outra. Com a intenção de mostrar as consequências (boas e
ruins) da ruptura, Edson Clair abriu-me um novo universo de admiração e busca,
no qual o street dance, a poética videográfica e a fusão de rituais indígenas
com elementos da urbanidade produziram um território único para sensações e
pensares, oportunizando uma sensibilização e reflexão significativas. Oswald de
Andrade dançou no túmulo quando o espetáculo foi concebido. Vi em cena um movimento
antropofágico que colocou em dúvida a definição do que é a cultura do outro,
porque o outro somos nós.
Não raro a gente sente um nó na garganta e
“Frágil” incomoda, porque invoca a natureza humana que não é só bonita e
inspiradora, mas também brutal, que exclui, pressiona, não compreende e julga. Felizmente
a ruptura só faz sentido porque não pega de surpresa apenas os fracos, mas
esbarra também nos fortes. E é com esses fortes que o espetáculo termina, pois
é com o sorriso dos sobreviventes que a vida continua. “Frágil ou o sentido da
ruptura” está aí para mostrar que apesar dos motivos que impelem esses jovens
seres humanos a desistir, há muito mais pelo que (sobre)viver.
Quando presencio o trabalho do Edson Clair
sinto que a vida está acontecendo exatamente onde eu estou. Mas e aí? Vamos
receber goela abaixo o que o Funk-se apresentou e depois apertar a descarga ou
estamos dispostos a discutir o destino dessas pulsões juvenis?
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